segunda-feira, 6 de julho de 2009

Outras vidas

Decorrente da minha vida profissional, acabo por conviver com algumas realidades de trabalho, quase sempre na perspectiva de quem trabalha. Na semana que passou, e num só dia, presenciei dois acontecimentos que me marcaram, um pela negativa e outro pela positiva. Foram situações que me deixaram a pensar. O primeiro caso é o de uma empresa situada próxima de Lisboa, que por questões estratégicas se fundiu com outra que se localiza a cerca de 70 km do antigo local. Quem lá trabalha irá, a partir do próximo mês, ver a sua vida (profissional e pessoal) dar uma volta de 180º, a custo da manutenção do seu posto de trabalho e da sua sobrevivência. São trabalhos pouco qualificados, a maioria dos trabalhadores encontra-se na empresa há mais de 30 anos, e a verdade é que nesta altura dificilmente arranjariam outro emprego. Para quem "manda" é um pequeno sacrifício que se pede aos trabalhadores, irão ter melhores condições de trabalho e a empresa disponibilizará transporte próprio para as deslocações. E para os trabalhadores, quais são as consequências? Estes, terão que passar a acordar às 6 da manhã, alguns até mais cedo, apanharão um transporte até ao local onde o da empresa os irá recolher e farão um percurso de cerca de uma hora. Ao final do dia o cenário repetir-se-á. De que se queixam eles? As cerca de 3 horas a mais em deslocações serão 3 horas a menos com as famílias. Encontrei as pessoas muito desmotivadas, apreensivas, revoltadas, mas ao mesmo tempo encurraladas: tem que sustentar as suas famílias e a alternativa é o desemprego. Encontrei mães sem saber o que fazer com os filhos, pois os infantários abrem por volta das 7 da manhã, e a essa hora já estarão a caminho do trabalho. O Código de Trabalho permite isto, a menos que se consiga provar que a mudança acarreta prejuízos graves. Pois...

A outra situação aconteceu numa outra empresa que eu já conheço há 5 anos. Nessa empresa trabalha uma senhora que, por vários motivos, sempre me chamou a atenção: nunca a vi sorrir em circunstância alguma (mesmo em contexto de formação), arrastava-se pelos espaços, com os ombros e os braços descaídos. A sua pele era baça, o rosto sempre fechado, tinha um cabelo muito fino e demasiado comprido, que na maioria das vezes lhe tapava parte da cara.
Na semana passada, revia-a. Encontrava-se noutro posto de trabalho, o anterior funcionário tinha-se reformado e ela foi destacada para lá. É um trabalho igualmente pouco qualificado mas de grande responsabilidade. Não a reconheci de imediato, estava completamente diferente. A transformação era tanta que tive que confirmar que aquela senhora era tal que eu conhecia. Cortou o cabelo, no rosto agora descoberto, descobri-lhe feições bonitas. Vi-a sorrir. Remodelou o local de trabalho, atribui-lhe uma ordem que até aí não existia e senti-lhe o orgulho quando lhe elogiei o facto. Saí de lá com a alma reconfortada. Moral da história: as pessoas, por vezes, apenas precisam de ser valorizadas para se sentirem melhor.

2 comentários:

  1. É muito verdade. Era bom que se replicassem os segundos casos. Que fosse uma forma de estar. É possível ser feliz, mas falta a humanidade a muita gente. No lugar do coração, têm um buraco aberto.

    Luz

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  2. Quanto ao primeiro caso... até fiquei com o coração apertado... de revolta.
    Qunato ao segundo... nem mais :)

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