segunda-feira, 19 de março de 2012

Memórias

A minha tia V., irmã da minha mãe, tinha duas filhas, uma da idade da minha irmã e outra da minha idade. A minha tia V. era a melhor amiga da minha mãe. Todos os sábados tínhamos o mesmo ritual, eu, a minha mãe e a minha irmã rumávamos a casa dela, e ali passávamos a tarde, as seis. A minha mãe e a minha tia conversavam sobre a vida delas, a minha irmã e a minha prima mais velha deviam conversar sobre os rapazes da escola e eu e a minha prima mais nova, brincávamos. Lembro-me das tardes de verão em que ficávamos deitadas no terraço a apanhar sol, em busca de um bronzeado, que a interioridade não nos permitia. Lembro-me de ali ficarmos a ler a revista Crónica Feminina, que a minha tia comprava todas as semanas. Lembro-me dos lanches, do cheiro a café acabado de fazer, do bolo de dois andares, como eu lhe chamava, com cobertura de coco e nozes e das omeletes, umas vezes simples, outras com rodelas de chouriço e outras com cebola, que eu detestava. Esta rotina dos sábados foi assim durante anos, cresci com ela. Nos últimos anos eu e a minha prima já não brincávamos, também conversávamos sobre os rapazes da escola e dávamos umas passas nuns cigarros, escondidas num descampado em frente à casa da minha tia. As tardes de sábado acabaram quando a doença, entretanto detetada à minha tia, levou a melhor. A minha tia V. morreu de cancro da mama, aos 44 anos. Recordo-me que durante o tratamento, as tardes de Sábado ainda se mantiveram. Já não tenho tantas memórias dessas tardes, não sei do que conversavam a minha mãe e tia, nem a minha irmã e prima. Também não me recordo do que fazia com a minha prima mais nova. Recordo-me da tristeza estampada no rosto da minha tia, uma tristeza de resignação, de quem se rendeu à doença.
Já passaram quase 25 anos da sua morte, mas estas memórias estão sempre muito presentes em mim.

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